Portal é muito bom. Comecemos assim.
Mas ainda não decidi se vou fazer uma resenha de Portal. Vocês devem ter percebido que estamos em um período de seca de No Controle, mas é assim mesmo, às vezes bate a preguiça e a criatividade parece secar. Então acho que esse post vai ser pra dar uma relaxada, conversar um pouco, porque só de lembrar que tenho a resenha de The Two Thrones na lista de promessas, já dá um arrepio.
Então vai ser um Papo Gamer sem correção de texto, sem pensar muito, mais descontraído.
Portal é muito bom. Comecemos assim. Basicamente é um jogo em primeira pessoa que quebra um paradigma já vigente há muito tempo, de que FP tem que ser S. Fora o FPP (first-person photographer, rá) Pokémon Snap, o FPM (first-person medo) Penumbra e mais algum game obscuro underground que eu não conheça, todas as vezes em que encarnei um personagem em primeira pessoa eu segurava uma arma. Fosse na Segunda Guerra Mundial, na Guerra do Vietnã ou em algum lugar do futuro, eu estava lá matando aliens ou gente.
Parece que visão em primeira pessoa evoca matança. Talvez pra variar da nossa primeira pessoa de cada dia, dessa visão insossa que agora está fixa em uma tela de computador? Mas porra, será mesmo que “variar” tem que ser “portar armas e sair matando geral”? Eu sei que você não usa armas na vida real, e que os videogames servem pra dar aquela relaxada fazendo o que você não pode, mas tem outras coisas que eu não posso fazer na real.
Um exemplo? Tirar fotos, aos milhares, do centro do Rio de Janeiro, sendo imortal e inassaltável. Ou então catalogar todas as criaturas do planeta, como no ótimo Beyond Good & Evil. Ou conhecer uma cidade turística qualquer ao apertar de um botão.
“Mimimi jogo de mulééér”, vocês vão falar.
Ou então criar portais. Não sei quanto a você, mas eu não sei fazer portais. Imagine o quão mais fácil seria ir na padaria com um esquema desses? Me debruço na sacada, crio um portal de saída na calçada em frente à padaria, faço um outro na minha sala de estar e entro. Pronto, comprar pão em dois passos rápidos.
Mas um jogo de comprar pão não faria sucesso. Jogos têm que envolver um desafio, uma história ou qualquer coisa que incentive alguém a jogá-lo. Então que tal comprar pão no menor tempo possível? Ah, ainda é chato, não existem tantas possibilidades assim. Beleza, comprar pão no menor tempo possível enquanto uma raça alien tenta cortar seu pinto fora. Calma. Volta. Ninguém disse que desafio implica em inimigos tentando acabar com sua vida. Que tal então uma história sobre uma moçoila que acorda em um laboratório e descobre que pode brincar com portais, tendo então que sair viva desse lugar esquisito?
Ah, agora sim. Aí entra Portal. É desafiador, divertido, engraçado, empolgante e até consegue criar um clima de tensão sem a necessidade de uma Big Fucking Gun para explodir os inimigos. Há alguns robôs maus, fato, mas eles não são o cerne da coisa. O jogo apresenta ao jogador uma série de salas-quebra-cabeças, onde você deve fazer uso da física e de portais para passar de cada nível, como no jogo Narbalucar Drop, da Digipen, só que melhor e mais bonito.
É um game curto, não há como negar, mas vale a pena. Depois de acabar a história principal ainda dá pra tentar coisas bizarras como completar uma fase gigante usando apenas dois portais, ou andando no máximo 10 passos. Tudo possível, mas bem difícil, o que gera o “efeito Tetris” que faz o jogador deitar na cama, fechar os olhos e ficar pensando em maneiras de passar de cada desafio.
Pensando bem, daria pra fazer um jogo assim sobre comprar pão. Não só comprar pão, e sim um jogo sobre um cara normal tarado por videogames, que um dia descobre que seu wiimote lança portais e precisa aprender a conviver normalmente com isso. As missões envolvem ir à escola, tirar gatos de árvores, colar na escola e comprar pão, entre muitas outras que eu não consigo imaginar agora. Vai para a lista dos “nunca vou criar porque sou cagão e não quero fazer faculdade de Game Design”.
Mas que tal um jogo um pouco diferente? Ainda divertido e viciante, mas sem portais. O protagonista é um aleatório que nasceu em um bairro pobre de uma cidade lindona. Um dia ele ganha uma máquina fotográfica e decide que vai ser fotógrafo. Bem Cidade de Deus, né? “Nada se cria…” Aliás, não sei se primeira pessoa cairia bem aqui, então ignorem a imagem e pensem no jogo como um GTA.
“Opa, mas GTA é legal por causa dos carros”. Calma, eu não disse que você não terá carros. Eu chego lá.
O personagem principal é normal, exceto por ter uma câmera. Ele não cria portais, mas ele tem os truta do bairro pra ajudar na locomoção. No começo da carreira, tirando fotos de coisas da cidade pra treinar, você pode pedir um caronão na magrela dos companheiros. Funcionou em Simpson Hit & Run, por que não daria certo aqui? Uma Ferrari tá estacionada aí do lado, mas o dono não te conhece, você pode ser um ladrão, por que ele abriria a porta pra você. Só porque tu tá segurando uma câmera?
Talvez. Eu chego lá. No começo você é livre para tirar foto de qualquer coisa, mas logo alguém diz pra você se concentrar em alguma área porque tem uns amigos que trabalham numa loja de revelação de fotos e precisam de umas bonitonas pra colocar na vitrine. Você resolve que vai fotografar carros, por exemplo. Isso é livre, o jogo não diz pra você “fotografe carros durante 2 horas”, você pode fotografar árvores ou outra coisa. Quando achar que tem algumas fotos bonitas daquela Ferrari que não te deu carona, entre outros carrões, você dá uma passada no estúdio fotográfico, que tá marcado no mapa. Usando um sistema como o de Pokémon Snap, o pessoal analisa as fotos e resolve que você vai trabalhar pra eles. Parabéns, ó.
Seu círculo social aumenta. Agora você pode pegar carona com os mano na bicicleta ou com o pessoal da loja em seus carros. Talvez até os clientes, que não têm Ferraris porque o lugar em que você trabalha ainda fica lá na vizinhança.
De fotógrafo dessa loja você torna-se fotógrafo do jornal do bairro. Daí as possibilidades abrem novamente e você escolhe para qual jornal quer trabalhar, dependendo do enfoque de cada um. Depois disso os jornais da cidade.
Nesse momento você já tá pedindo carona em automóveis um pouco melhores, ou até já compra um usado. A vida é dura.
Então as revistas, ah, as revistas. Em certo momento do jogo as possibilidades abrem bizarramente, e então você pode ser desde fotógrafo da Revista Sobre Animais destinado a catalogar todas as raças de cachorro da região, até fotógrafo da Playboy. Não, fotógrafo da Playboy não porque senão o jogo vira 18+. É melhor o protagonista ser um assassino impiedoso que usa de todos os meios para eliminar seus inimigos, aí consigo um game 17+ ou até um 13+. A vida é dura.
Divago. Que tal ser paparazzo? “Objetivo: tirar foto do Ronaldinho saindo pra jantar com a namorada”, com direito a perseguição de carro, tentando não ser despistado. Ou então fotógrafo de uma revista de música! “Objetivo: conseguir um bom ângulo em meio à algazarra do show dos Rolling Stones”.
É claro que aqui você já tem seu próprio carro, e até alguns estabelecimentos. Talvez um estúdio da Playboy, sem que você possa ver nada. Ou pode patrocinar eventos de corrida, com a qualidade garantida dos seus fotógrafos.
Aqui entra a fama, o reconhecimento mundial e as Ferraris. Chegue do lado de uma, dê Enter e o motorista o reconhecerá como o famoso Fulano de Tal, dono da Revista Sobre Carros. Ou que tal pedir carona em uma limusine, ao que a madame o reconhecerá como Fulano de Tal, o cara que conseguiu aqueles flagras da Juliana Paes? Nada que impeça você de visitar o velho bairro e dar uma voltinha de bicicleta com a galera, ou até comprar uma Ferrari você mesmo e levar os velhos amigos pra dar um rolê.
Pois é, é uma idéia que eu gostaria de ver executada, mas também vai para a caixinha dos “nunca vou criar”. Só coloquei aqui como desabafo mesmo. Não precisa ser nenhum Shigeru Miyamoto pra saber que videogames vão além de matar alemães ou jogar futebol. Há muitas vertentes a serem exploradas. E elas não precisam necessariamente ser fofinhas, já que você pensou direto em Nintendogs.
Pra deixar claro: não, eu não acho que vou jogar GTA e sair matando velhinhas na rua/cinema. Só acho que jogar pra fugir do cotidiano não envolve necessariamente matar gente virtual, e que inclusive esse devia ser o último tema a ser pensado em uma sociedade evoluída como a nossa, e não a primeira coisa que vem à mente quando se fala em videogames. Em vez de ficar relançando dez versões do mesmo jogo, mudando apenas a guerra onde ele é ambientado, esse pessoal que teve colhões pra se formar em Game Design podia pôr um pouco os miolos pra funcionar e pensar em idéias diferentes.
Ou o pessoal com idéias diferentes podia arranjar colhões pra se formar em Game Design 😦