Heavy Rain e o futuro dos jogos

Ontem sonhei com Heavy Rain. Talvez porque ia escrever algo sobre a confusão com relação à capa do jogo, ou talvez porque, após dois anos, resolvi terminar Indigo Prophecy e subitamente fiquei na expectativa com relação a seu sucessor espiritual. O que importa é que sonhei com Heavy Rain, acordei conversando comigo mesmo sobre o futuro dos jogos, e resolvi que precisava despejar por aqui, num típico post “mesa de bar”.

No sonho, eu havia acabado de receber uma caixa gigante com o jogo, um manual, bonequinhos e uma espécie de PSP de 14 polegadas. Corta para eu jogando Heavy Rain na parada de ônibus, na chuva, com meu pai do lado. O cenário à minha frente se confundia com o virtual, em uma espécie de tela de realidade aumentada, e depois de alguns momentos de jogo meu pai olha pro PSP gigante, olha pra mim e diz “bah, então os jogos já tão assim é?”. Corta pra sala de estar de um apartamento que eu não sei de quem é, chovendo do lado de fora, e alguém me fala que roubaram minha caixa. Aí eu acordo.

O que ficou martelando na cabeça foi a surpresa do velho. “Então os jogos já tão assim?” claramente não fazia referência aos gráficos fotorrealistas ou ao PSP com realidade aumentada. Ele se referia à temática, ao modo de jogar, ao fato de eu não ter explodido nenhum monstro virtual durante o tempo em que ele estava assistindo. Pelo menos essas foram minhas impressões pós-sonho, e que me puseram pra pensar.

Os leitores de longa data que leram esse ou esse post, anteriores ao falecimento do No Controle, têm uma ideia da minha opinião meio controversa sobre o estado da arte gamer. Acredito que seja uma forma de arte (é, acredito que seja uma forma de arte) com um potencial imenso, mas que ainda não cresceu: já faz quase tudo que se pode fazer, já tem barba e bigode bonitos, o corpo praticamente formado, mas ainda tem uma mentalidade de adolescente. Enquanto os filmes, para pegar um exemplo de arte próxima, apresentam de comédia a guerra, de romance a documentário, de “12 Homens e uma Sentença” a “Primer”, entre uma infinidade de outras coisas possíveis, os jogos costumam terminar em uma de duas vertentes com relação ao gameplay: ou tu tá praticando algum esporte ou tá matando alguma coisa.

Há exceções, claro. Indigo Prophecy é uma delas, juntamente com o saudoso gênero adventure, que foge completamente à regra. Mas, no geral, tire os aliens de Half-Life e você não tem jogo, deixe Super Mario World sem goombas e koopa-troopas e você terá um plataforma sem sentido, até mesmo a obra-prima do puzzle temporal Braid precisa de uns monstrinhos bucha de canhão, sob o risco de se tornar um jogo entediante. A tecnologia evolui, os consoles disputam pela atenção do público, mas ainda não temos um Forest Gump, um Benjamin Button, no mundo gamer. Não é à toa que The Sims fez um sucesso estrondoso entre as meninas: é como se alguém tivesse criado a comédia romântica em um nicho no qual ninguém tinha pensado antes.

Mantendo a analogia com a sétima arte pra facilitar meu pensamento, acredito que o estado atual dos games é mais ou menos como se fosse 1935, os filmes já fossem falados e a cores, mas a arte tivesse empacado nas comédias visuais estilo O Gordo e o Magro. Nada de Metropolis criando uma narrativa épica e dramática, nada de O Gabinete do Dr. Caligari criando o medo em preto-e-branco. Não, colorido, falado, bonitinho, crescidinho de barba e bigode, e se limitando a trapalhadas e humor pastelão.

Heavy Rain, por sua vez, me vem como um fôlego de esperança na maturação dos games. Um jogo que ousa ter um pôster foda, que ousa passar sem “10 armas completamente novas, três facções rivais, sete power ups e modo multiplayer para até 64 pessoas!”, e cuja caixa, eu espero, trará algo mais adulto que isso escrito na parte traseira. Apesar de já terem zoado a capa. Nesse post do PlayerTwo dá pra ler um pouco mais sobre o jogo, já que eu praticamente só falei sobre minha opinião gamer.

Conversando com o Gui, descobri que a opinião dele é bem oposta à minha. Ele acredita que, como jogo, um jogo deve focar no gameplay, não virar um filme interativo, como Indigo Prophecy se auto-denomina. A proposta de um filme é entreter através de uma narrativa, enquanto a proposta de um jogo é entreter através do gameplay. Jogos servem para divertir mais do que contar uma história, e sendo assim, nada melhor do que dar porrada em uns bonecos. Claro que, se vocês colaborarem, a discussão se aprofunda nos comentários e o Gui expõe direitinho a ideia dele, mas foi mais ou menos o que a gente conversou. Eu sou da opinião de que as artes se acumulam, e que games deveriam, sim, ter uma boa narrativa – que não necessariamente envolva salvar o mundo ou extirpar a facção adversária-, música bem trabalhada e atuação decente de forma a serem exemplares “completos” da arte gamer.

Claro que não todos os jogos, porque é bom demais dar porrada em uns bonecos pra espairecer.

17 Responses to Heavy Rain e o futuro dos jogos

  1. Duriel disse:

    Pedal, há quanto tempo *-*

    já tinha esquecido de como você escreve, rapaz.
    adorei o post e sou fã do seu humor LKHAKJHSAKJHS
    e também discordo de você, to com o Gui (L)

    abraço, rapaz

  2. Gabriel disse:

    Ah, concordo com você, eu acho. Claro os jogos hack n’ slash devem continuar existindo, para quando não estamos afim de se engajar numa narrativa profunda e elaborada.
    O foco dos jogos tem de ser o gameplay? Claro, mas porra, dá pra encaixar uma história boa também, cacete.
    Do mesmo jeito que não assistimos só filmes cults (são ótimos, claro, mas cansam depois de um tempo) pois também precisamos de comediazinhas horríveis, também precisamos de jogos com matança sem pretexto.
    Eu rezo (nah) por uma safra de jogos cult 0.0

    • Gui Stadler disse:

      Ninguém falou que o jogo não tem que ter história. Tá, John Carmack disse, mas ele não escreve nesse blog. O fato é saber se um jogo deve deixar de lado o gameplay pra focar na história, entende? Enquanto Pedal acha válido, eu acho completamente errado. Mas um jogo pode ter uma história boa sem deixar de ser um jogo. Vide Braid.

      Além disso, um jogo pode existir sem história, tipo Lumines, Trials 2 e uma outra infinidade de títulos, mas não se deve usar um jogo tendo como foco a narração duma históriua. Porra, que façam um filme logo. É tão fácil hoje em dia.

  3. […] bons, histórias nem tanto Ontem, eu li um post do No Controle onde o Lipedal falava sobre como os jogos ainda tinham que evoluir como arte. Num […]

  4. Marcos Diniz disse:

    Poxa cara, que bom que vc voltou.. Sobre Heavy Rain compartilho a mesma opinião que você a proposta de Heavy Rain é adulta, com uma jogabilidade refinada, um jogo bem Lado B mesmo somente para aqueles que procuram uma boa história e uma grande imersão.

    Games são arte igual ao cinema.. isso é fato.

    Agora sobre seu sonho…. Para de fumar cigarrinho do capeta meu velho.. ahahahaha

    Um abraço..

    • Gui Stadler disse:

      Sério que tu considera exploração e apertar botão na hora certa “jogabilidade refinada”? Isso é o apogeu da simplicidade. O jogo é completamente focado na narrativa, não há nada de refinação no gameplay. Retiro minhas palavras se você tá se referindo ao gameplay raso de Heavy Rain estar sendo bem feito, mas acredito que não é o caso.

      E acho errado comparar videogame com cinema dessa maneira. Os dois podem, de fato, representar algum tipo de arte. Mas arte tem toda uma carga cultural, e acho que cinema e videogame é um tipo de entretenimento muito mais global. Claro, os dois tem seus momentos artísticos, como, sei lá, A Liberdade é Azul no cinema e Shadow of the Colossus no videogame, mas não acho certo chamar de arte. Tanto que o cinema não é aceito por todos como “a sétima arte”. E mesmo dentro da comparação games/cinema, o cinema é muitíssimo mais artístico que videogame.

      Enfim, Heavy Rain definitivamente é um jogo lado B, mas jogabilidade refinada, nos termos que eu entendo, parece não ter nada a ver com o jogo.

  5. Marcos Diniz disse:

    Gui, vc tem razao eu falei besteria… Nao seria refinada, mas acho que pratica, sem frescura, alguns jogos simplismente querem reiventar algo que deveria continuar simples…

    Agora sobre a arte discordo…eu acredito que entreter é uma forma de arte e isso o cinema e o VGS fazem muito bem.

  6. Pedro Ivo disse:

    Games têm que divertir, esse é o foco principal. Pode até ter uma história boa, mas o principal mesmo é o gameplay.

  7. […] lançamentos possuem de diferente, o que há neles o que nunca foi visto antes? Foi lendo o post do Lipedal (No Controle) que fez refletir sobre algo que há muito tempo não vejo em nenhum jogo, um jogo completamente […]

  8. Elmar Ernani disse:

    Eu não vejo a hora de Heavy Rain chegar ao Brasil. Esse é compra certa. Mudando um pouco de assunto, deixo minha dica aqui pra galera. Site da loja de video games no qual encontrei e achei muito bom por seu atendimento e os ótimos preços. Valhe a pena conferir! ^^b
    http://www.incrivelgames.com.br

  9. Caio disse:

    como bom fã de games e de filmes, acho que a proposta desse filme interativo é sensacional, zerei indigo prophecy e achei uma ótima experiencia, o nível de imersão nesse tipo de jogo é altíssimo. acho muito válido jogos nesse estilo, eles só vem pra acrescentar novos generos, nao vão deixar de existir os jogos casuais e os mais hardcore. e pra quem acha que é a mesma coisa que assistir a um filme, me recomendem esse filme que o final depende da gente!
    descobri o blog de vcs hoje, gostei, e estarei aqui frequentemente!
    hahahhaha abraço

  10. Lipedal disse:

    Valeu pela discussão, galera! 🙂

    Tava viajando então não pude participar ativamente, mas legal ver que as opiniões se dividem. Não estou sozinho e minha opinião não é unanimidade, e isso é bom.

    Ainda vou postar mais sobre isso, mas a comparação com os filmes foi uma ajuda para expressar o que eu queria dizer. Outra comparação possível seria HQ ocidental vs mangá. Enquanto no Japão tem mangá sobre meninas no colegial, empregadas domésticas, cowgirls machorras, garotos jogadores de Go, basquete, iniciação sexual, furries, constipação gerando merda de pedra, Buda, Hitler e variedade beirando o infinito, as ocidentais parecem estar estanques na narrativa heróica/detetivesca ou humorística.

    Mais ou menos por aí o que sinto com relação a jogos: uma puta mídia complexa e cheia de possibilidades, mas mal aproveitada por uma certa limitação mental (e comercial) dos produtores 😦

    Não é nem questão de fazer uma história foda em detrimento do gameplay, mas de se produzir uma história diferente que mesmo assim tivesse gameplay diferenciado, não se limitando aos extremos “meu jogo tem história foda então foda-se a jogabilidade” ou “inventei uma maneira revolucionária de andar e atirar, agora não preciso de história”.

  11. Diego Nunes disse:

    Interessante sua analogia com cinema, e eu acho que heavy rain tem quase tudo pra ser o nosso caligari, pelos seguintes motivos:
    1. Caligari foi um dos filmes que surgiram quando o cinema estava engatinhando.
    2. Pegou carona em outras formas de arte. O cenário estilizado, fortemente expressionista. A câmera, paradona, como se fosse uma peça de teatro filmada. Heavy Rain também tem as raízes em outra forma de arte, no caso, o cinema.

    Porém…

    Pra mim arte é aquilo que te tira do lugar, e os games cumprem esse papel quando fazem o jogador sentir algum tipo de emoção. Pense no primeiro Resident Evil, tu ainda tá tentando se acostumar com o controle, já gastou toda a munição tentando aprender a atirar (achando que vai ter munição aos montes), tá andando meio tenso por um corredor, e pimba, um cachorro pula pela janela, e a fragilidade humana é esfregada na tua cara. Isso é arte, mesmo com uma narrativa péssima. Outra, os inimigos invisíveis de Kenji Eno em Enemy Zero. É Video-game, sem video não tem game, qual a razão dos inimigos invisíveis?

    Voltando, Caligari, mais do que um filme de terror, foi um grito de BASTA ao autoritarismo de uma nação arruinada por uma guerra. Claro, nem todo mundo deve ter entendido, se tivessem, não dariam brecha para outra guerra. Mas isso que é a característica principal da arte: não ter um feedback unilateral.

    Para Heavy Rain alcançar o status de obra prima (pra mim), terá que ser mais do que uma boa narrativa, e assim, ser o nosso Caligari.

  12. Lipedal disse:

    Ótimo comentário, concordei com força. Só espero que Heavy Rain seja mesmo a obra-prima que estamos esperando, e não uma decepção cheia de hype…

  13. […] post aqui, escrevi um pouco do que penso sobre o estado da arte gamer: talvez ainda estejamos na puberdade […]

  14. Endo Kenji disse:

    opinião ruim, texto muito enjoativo cara afinal de contas nao sao so games de hack’slash que existem existem jogos como silent hill com terror psicologico misterio e uma historia por tras existem varios jogos ate mesmo Hack. que e um jogo de pancada meio rpg tem uma historia interessante e bem produzida que se arrasta por tres jogos sem perder o nexo ou o desprender o interesse do jogador o problema aqui e o pseudointelectualismo a mania de criticar o que é superproduzido como acontece no cinema brasileiro que produz essas porcarias, e so foi produzir coisa boa quando viu que cinema acima de tudo e entrererimento assim como os jogos

  15. Lipedal disse:

    Amigão, entendo sua opinião, mas não é uma questão de “pseudointelectualismo” que me move a escrever, é um profundo interesse por game design e jogos em geral. E não sei se você chegou a ler direito o texto, mas também não é uma questão de criticar o que é superproduzido – nesse texto, de uns bons 8 meses atrás, eu dei uma bela puxada de saco em Heavy Rain, que foi uma puta superprodução.

    Gosto muito de Silent Hill, tenho bastante curiosidade de conhecer .Hack mas não tenho os meios (tempo, PS2…), mas mantenho minha opinião e, mais, minha vontade de expressar essa opinião. Li num livro de game design que um cara disse que o cinema só começou a evoluir e ser levado a sério quando começaram a ESCREVER sobre cinema, e não apenas apreciar as peripécias desastradas dos filmes do início do século XX. E por mais que tu estejas pouco se fodendo pra isso, “ser levado a sério” implica necessariamente em jogos melhores, uma gama maior de gêneros e, claro, governo tratando games como cultura (assim como são tratados os filmes) e baixando impostos.

    No mais, se quiser ler/discutir mais dá uma chegada aqui: http://continue.com.br/03/10/2010/mine-craft-discover e comenta. O No Controle está “aposentado”, no momento estou voltando a escrever no Continue.

    Obrigado pelo comentário!

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